"Insatisfeito crônico, irremediável e irredutível insatisfeito: Por isso então sempre buscando, sempre dissecando, sempre amando, sempre escrevendo, sempre sonhando, sempre brincando, sempre subvertendo a ordem das coisas, sempre,
sempre aprendendo." Eu, por eu mesmo.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Em casa


Havia uma casa abandonada por onde o ônibos passava. Na minha infância era rara, e mais tarde tornara-se costumeira sua visão - Talvez por isso eu tenha me surprendido àquela vez.
Fazem quase três anos desde que deixei a casa dos meus pais. Ninguem acreditava que eu fosse me virar tão bem como tiveram de mais tarde confessar... mais até do que eu, não nego. Já morei em inúmeras casas, depois disso, e em inumeros bairros., mais a verdade é que, quando vou visitá-los é como se acabasse de voltar da escola ou de uma noite de festa (acho que nunca saí de lá, na verdade, ou apenas uma parte de mim não quer se desgarrar)
Houveram vezes em que, não importa aonde, por mais longe deles que eu estivesse, em que acordei no meio da madrugada e me esbarrei em alguma parede, ou criado-mudo. Não que a escuridão me impedisse; mas era o caminho que eu já estava acostumado a traçar de cor até onde desejava que me voltava à mente.
Pois bem, quando era criança e ia à cidade, aquela casa me embevecia: a visão era rápida, mas tinha o seu valor. Tratava-se de uma grande prédio abandonado, com as janelas cerradas por dois pedaços de madeira em X, das quais nasciam algumas turfas, e podia-se ver a claridade que entrava pelo teto quase completamente cedido, precedido por uma avenida (e avenida naquela epoca siguinificava asfalto batido no meio de mato e campos e fábricas). O que mais me impressionava, porém, era a impressão de que labaredas de fogo emergiam da terra e a consumiam (talvez essa referencia viesse da cor enfumaçada das paredes, a mesma que coloria o quintal de casa quando "assavamos" castanhas) e como sempre fui afeito a uma imaginação, digamos, que nunca se prendia pelos calcanhares, fosse qual fosse a crua realidade que quisessem me estabelecer, criei teorias das muitas: uma delas era que invasores espiavam nossas vidas das frestas das portas e saiam a noite para festejarem e conspirarem - claro que na epoca tinha outras palavras e outros sentidos para o que agora quis dizer... but was something like that!
Outra teoria era de que lá dentro havia um outro mundo, que depois de uma escada que emergia feito um alçapão, não haviam horas; elas foram contadas a partir do um e depois de chegarem a um numero absurdo tipo 1849027478274018429578746154213463855908087786375 não conseguiram mais e acabaram deixando-as de lado (nunca me acostumei com a idéia de hora do almoço, hora do recreio, intervalo para fumar, enfim!)
Para mais, como eu dizia, eram raras as vezes que passava por ela na infância, por isso que cada mudança ( a influência que os anos exereciam sobre ela, o abandono) era notada e repercurtia em mim, em meus sonhos e nas minhas verdades multiplas. Até que minhas "visitas" foram ficando mais frequentes, e fui crescendo, e de libélo a liberdade na adolescência ela passou a ser ignorada, démodée. Agora moro na cidade, e ela, como o interior e minha vida anterior, soam como passado perdido. Sempre que voltava para casa, num dos encontros com minha fámilia, poderia jurar que via através dela (a casa); se é que ao menos notava-a. Mas, dessa vez, quando fazia muito tempo que não voltava lá, descobri-a; não era, definitivamente mais a mesma. Nem ela, nem meus país e muito menos eu mesmo.
Mas ela sempre estivera ali, malgrado seu, sempre estivera ali assim como meu desejo de abraçar o mundo e o impulso de voltar para meus pais, tudo ao mesmo tempo...
Qualquer dia desses, eu sei pois é o que eu deveria fazer - Qualquer dia desses vou descer lá e caminhar até a porta, muito decidido, com os olhares das pessoas às minhas costas, e a impressão de que eles me julgarão sozinho e louco; com a impressão de que as crianças me tomarão por um invasor que não dá ouvidos aos tic-tacs e que à noite saí para encontrar-se dentro de si mesmo - E talvez eu seja um invasor, talvez eu seja sozinho e triste por os anjos de dezembro nunca virem até mim; e talvez eu me perca às vezes... e então fujo.
Mas eu não vou bater à porta, sinto que somos intimos demais para tanto; a polidez ficou para os odiados essa noite. E quando eu entrar ela vai estar segurando a toalha dele enquanto ele chora. Eu vou dizer: "Não acredito que você esteve chorando na última meia hora", mas quem estivera chorando mais fora ela, não fora? E ele virá até mim com suas maldições, e ele virá até mim com uma dose de Gin e umas fotos do verão permanente de Canoa Quebrada. Ele esteve chorando por si mesmo, e ela só pensa no melhor para ele.
E eu estive fora por tanto tempo que não posso recusar esperar até a ceia (Nem ao menos percebi que era natal, para falar a verdade)!
E bebemos e rimos e nos amamos até quase 5 da manhã, os três. E nenhum de nós foi realmente amado na vida, o que eles sentiram por nós fora apenas obsessão, não fora? E eu estou somente sonhando não é? E realmente não entrei na casa e realmente nunca fomos anti-herois, não é?
Não é?

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Alhures


"Car la vie est allieurs..." Ainda deu para ouvir quando fechei a porta de casa e, no escuro corredor, me valendo das luzes que esgueiravam-se pela janela do extremo esquerdo, rodei a chave na fechadura e olhei alhures. Nada fora do comum, é algo que venho fazendo todas as noites antes de ir trabalhar. O que me faz lembrar, pois, de quando era criança e as vezes em que faltava energia no bairro. Àquela epoca era comum, hoje, contudo, moro num apartamento cujo contrato menciona luz do corredor incluso e, toda vez que vou sair de casa, cerro o trinco às cegas e continuo a estranhar, olhando alhures, para um passado de historias de rapozas e bolos enterrados.
Um dos motivos por eu não gostar de caminhar no escuro: Luzes súbitas e desconhecidas. Lembro que na casa de meus pais havia uma antiga televisão em preto e branco que meu pai trouxera de São Paulo. Meu irmão e eu estávamos encantados com o poder de colorir da Panasonic, mas sempre que um queria assistir um programa que o outro não queria, e esse estava sob o poder, recorríamos a ela. Sim, por que entre sovas e pontapés, também estabeleciamos regras. Uma delas era: quem primeiro ligasse a TV podia usufruir da mesma ao seu bel-prazer enquanto a mesma permanecesse ligada ou papai e mamãe não quizessem assistir, respectivamente, Jornal Nacional ou a novela das sete. Mas claro que, como tudo na vida, em nossas leis, quais as brasileiras, haviam brechas: e quando a energia faltava ou sem querer a TV desligava, era um baile até entrarmos em comum acordo. Na verdade nunca entravamos. Ou nos atracavamos até alguem começar a chorar ou até que a justa e reverendíssima chinelada da mamãe em nossos couros intervisse.
Bem, por um dia desses faltou energia no bairro, e como não tinha ninguem em casa, entrei desembestado na sala para fazer posto frente a TV, quando esbarrei em algo que caiu com estrondo no chão e provocou um clarão meio azulado. Todos vieram correndo e me encontraram no sofá ao lado da TV preto e branco ... ambos aos pedaços. (Como sempre, me fingi de louco, que não sabia de nada, igual como quando uma vez quebrei um papagaio de faiança italiano em varios pedaços e colei com cola maluca, crente que ninguem ia notar - será que dessa vez dava para colar? Resumindo, das duas vezes apanhei.)
Os dias que se seguiram foram de extrema desolação. Como meu irmão era mais rápido, sempre monopolizava a TV. E como eu era mais esperto, sempre desligava o gerador. Perdi o Rei Leão, Conan o Bárbaro, Madmax, e toda uma infânica por meu jeito desastroso e a crueldade de meu irmão (o bandido chegava a colocar no canal que eu queria por alguns segundos e quando notava minha cara de prazer, mudava lentamente e sorria entredentes)
Bem, trocando por miudos, dessa vez fora diferente. Rodei a chave na fechadura e assim que virei me surpreendi com um feche de luz às minhas costas. Como disse, não é do escuro que tenho medo; mas de luzes bruxuleantes e repentinas. Voltei-me apressadamente em direção a janela do fim do corredor e, além de uma luz amarelada do poste, só a janela de um apartamento lá longe pude destinguir. Estava todo erriçado como um gato quando tornei a seguir o corredor rumo às escadas. Foi ai que, vendo minha propria sombra projetada diante de mim, no meio de toda aquela escuridão, percebo tratar-se de um flash de maquina fotográfica. Caminho então em direção à janela e outros 3 flashes são disparados. Mas não era àquela direção que ficava o predio onde morei há quatro meses atrás? E não foi dalí que tirei as tais fotos (uma das quais aqui anexada)? Será que na verdade nada daquilo aconteceu, aquela tarde cinzenta chorando ao som de It' s my party após um fim de festa desastroso, e as fotos? Talvez tenha sido uma visão... Lembranças, criadas, vividas, onde encontrar o ponto que as diferenciam? Se os anos passaram, por que não levaram os medos de infância junto?
Ainda estou procurando, mas as respostas, alhures, suspensas como bolhas de sabão, me refletem na noite daquele ano, quando quebrei a TV e a vida parecia não ser mais colorida.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Vânia


Mais uma vez o acaso, mais uma vez. O dia parecia longo, mais do que o normal, e o sono (ainda que após 10 horas ininterruptas) incompleto.
Era noite, e eu andava pelas ruas do centro, como sempre olhando para o alto, para onde apontavam os edificios, às vezes ultrapassando o fio da calçada, noutras me deparando com o olhar surpreso dos transeuntes a vacilar entre o céu habitual e a seta de minhas miradas, quando veio-me à lembrança um trecho de Tio Vânia de Tchekôv.
Mas o fio que me ligava ao livro logo perdeu-se quando, na Pedro Pereira com a General Sampaio, escorreguei para fora da calçada e o carro alarmou contra mim!
Alcancei a parada de ônibus estupefato, arrefecido de um todo.Todos os ônibus chegavam, todas as pessoas saíam, e todas as especies de underbeings que habitavam as ruas sujas e abandonadas do centro se esboçavam à meia luz dos postes e me olhavam das brechas dos bueiros que representavam suas realidades como se vissem em meus olhos e até se comprazessem do que eles diziam, inquietos, quicando duma ponta a outra: nada do "Aeroporto"; nada de minha vida protegida e garantida. Amaldicoei, pois, inconscientimente, meu trabalho, minha casa, meus livros e minha vida, chutei uma lata de coca-cola e a mesma levantou gotas de lama no ar cujas partículas se confundiram com a fumaça deixada por carros anteriores e bafos de prostitutas fumando seus Marlboro lights nas esquinas apenas há alguns instantes - Eram elas que entravam em carros de estranhos enquanto mais tarde eu sorriria e daria boas vindas aos donos desses mesmos carros.
Cerrei os dentes, engoli o choro; a indignação me embrulhava o estomago e dava voltas e mais voltas.
Foi quando, artificialmente loira como as flores de plástico na sala de estar de minha avó (nunca entendi porque só as da cozinha ela fazia questão de aguar e manter vivas), ela aproximou-se assustada, fatigada e inquieta; falando tão rápido, mais até do que o comum para nós que falamos o Cearês, e de braços cruzados. "Né pra mim não, isso, num é não" ela insistia a cada frase feita. E eu especulava. Pareciamos combatentes: Ora inimigos, ora aliados, ora indiferentes, ora complacentes da dor um do outro: eu reclamava de minha condição e ela só repetia: "Né pra mim não, isso, num é não"
Foi quando, me desarmando de um todo, e a cada palavra humilhado, me rendi ao ridiculo enquanto ela disseminava: "Moro numa casa doada numa periferia da Serrinha, trabalho de oito às vinte, almoço às nossas custas, o bebedouro é imundo, a moça que veio de taíba não aguentou e foi pras calçadas, eu saí dessa, mas isso, isso, né pra mim não, num é mesmo" E o que me parecia a pior coisa seria para ela o céu.
Muitas delas, especulei quando o ônibus fez a volta, saindo da Expedicionários para entrar na avenida que dava acesso ao aeroporto, sim, muitas dessas que entravam no carro com desconhecidos e nunca sabiam se voltariam, casavam-se com gringos, iam morar fora, faziam qualquer outra coisa, mas ela, ela fora ser vendedora - Uma escrava!
E eu que um dia disse que a vida era boa demais para se viver, que a qualquer ser humano o era possível - E meu amigo que uma vez me vexara: "Não meça a realidade dos outros por sua própria!"
... E eu que decidira um dia não mais viver...
"Mas já vou descer" Ela disse, julgando que eu a ignorara a maior parte do tempo, que eu não escutara uma maldita palavra sua, que talvez eu poderia ser o gringo que a levaria pra fora, que talvez eu só a amasse enquanto estivessemos num ônibus e fossemos desconhecidos juntos... que talvez fôssemos apenas diferentes no sexo, na classe e no nivel da dor; quem sabe até nem considerasse que o Outsider aqui é quem precisava ser tragado para dentro da materia!
"Como o senhor se chama?" Ela perguntou escondendo os dentes com uma das mãos, talvez 10 ou 12 anos mais velha do que eu.
"Oh, perdão, deixe-me apresetar" e eu disse meu nome canhestramente.
Ela, por sua vez, riu
"Prazer, Vânia"
E eu me lembrei da frase e ri também o acaso, o impossível da vida.
Quando dei por mim, no entanto, ela já havia descido e eu estava no aeroporto. Mas não era da frase que eu queria me lembrar agora, era do modo como ela viera até mim: Vânia a trouxera em seus braços, como sua própria vida, estendendo-me como envolto por invólucro do qual eu só poderia me livrar se o partilhasse, se o sentisse...
Mas a minha realidade era e sempre seria outra; talvez um outro depois de mim, ou quem sabe o outro depois desse, ou apenas em um milhão de anos haveria quem pudesse partilha-lo, vivê-lo, mistificá-lo como ela jamais poderia se soubesse ser capaz.

Retorno


Meus leitores talvez tenham estranhado essa temporada "em off", porém ressalto, malgrado não hajam justificativas plausiveis para o meu silêncio (E não é sobre o silêncio que eu desejaria falar, sobre o não dito e o não vivido? Nada melhor do que pô-lo em prática pois...), mas é de conhecimento unânime que estive às voltas com a SECULT, a gráfica e meus 'editores'(coitado do "Ah, ter!", nem a ele isento!).
A intenção agora é fazer desse diário, que tende a virar semanário, depois mênsal e quem sabe (Melhor não alongar a historia, vamos antes considerar o periódico, o que não queira dizer que não possa vir a ser esporádico...), enfim, a idéia é nada mais do que um bloco de notas onde divulgarei, ou apenas trarei à superfície minhas idéias, experimentações, trabalhos e aspirações; assim como também divulgar trabalhos de amigos e de artistas dignos de nota desconhecidos pela maioria à custa de uma das maiores faltas humana: A não-busca... o ostracismo, ensaiaria dizer.
Então, Bem-vindos de volta!